Local Summit debate o país para lá do Terreiro do Paço
A primeira edição da Local Summit reuniu mais de duas dezenas de oradores e cerca de uma centena de convidados ao longo do dia de terça-feira, promovendo a abordagem de temas de grande relevo na vida dos municípios, com destaque para a missão autárquica, académica e empresarial. Os temas do trabalho realizado nos últimos anos, designadamente no atual mandato autárquico iniciado em 2021, e da expectativa relativa ao ano que se aproxima e ao ciclo 2025-2029, mobilizaram autarcas, empresas e instituições a participar num evento que juntou 12 autarcas, empresas, a academia e diversas instituições de relevo no país.
Em debate estiveram os temas da Retenção e Atração e Talento; Smart Cities – As Cidades do Amanhã Começam Hoje; Marketing Territorial e como Promover com Sucesso uma Autarquia – Casos de Sucesso; o Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses; O Poder Local como Dinamizador da Atividade Empresarial; O Poder Local e as Novas Dimensões do Turismo e Os Desafios do Interior.
António Costa, diretor do ECO, anunciou na ocasião o lançamento de uma parceria entre o Local Online e órgãos de comunicação social regionais. Projeto inserido na estratégia do ECO de trazer visibilidade aos temas económicos e de desenvolvimento das regiões e autarquias, vai permitir projetar a nível nacional o trabalho dos municípios, empresas, entidades regionais e associações empresariais, entre outras. As primeiras parcerias foram realizadas com o jornal O Mirante, da região do Ribatejo, e com o algarvio O Barlavento.
- António Costa, Diretor do ECO
Queremos que esta iniciativa se transforme num ponto de discussão de política, políticas públicas e do papel das autarquias nestas. A primeira edição da Local Summit é, não por acaso, realizada a um ano das eleições autárquicas de 2025. Consideramos que este é o momento ideal para dois pontos de discussão, a avaliação do que foi feito neste ciclo político e a preparação atempada do que vai ser a discussão política sobre o que poderá e deverá ser o próximo ciclo autárquico do país.
- Filipe Anacoreta Correia, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Lisboa
O nosso tempo é o tempo das cidades, da proximidade local, da descentralização. Isso traz-nos grande responsabilidade. Que descentralização, que transferência de competências, o que esperamos das câmaras? Temos manifestado alguma desconfiança em relação a algum tipo de descentralização que conta com as câmaras apenas para tarefas, por vezes de gestão de património imobiliário, por exemplo. Fala-se tanto da descentralização da saúde e da educação, e quando vemos, o que se espera das câmaras é apenas arranjar edifícios.
- Bruno Amorim, Administrador da Casa Mendes Gonçalves
Temos de atrair talento novo e que está fora do país, dar às pessoas um propósito e um projeto, mais do que a questão salarial. Esta é importante, temos de pagar mais, mas temos sobretudo de apresentar um propósito. As pessoas reveem-se no propósito, querem fazer parte, ter um projeto de carreira e de vida.
É urgente aumentarmos o nível salarial em Portugal; o salário médio das pessoas é muito baixo, quando temos um dilema que é a crise da habitação. Quase que é impossível arrendar uma casa.
- Filipe Araújo, Vice-Presidente da Câmara Municipal do Porto
Nesta última década, o Porto cresceu muito, criou dezenas de milhares de postos de trabalho, atraiu muitas empresas. Temos hoje no Porto empresas com mais de 1.500 trabalhadores. Há uma grande transformação da cidade. A cidade tem claramente uma grande população, também muito derivado disso. As oportunidades atraem muita gente.
Temos uma série de ingredientes em que conseguimos ser muito competitivos também numa escala nível global. As cidades competem por talento a nível global e temos que nos habituar a isso.
- Gonçalo Saraiva Matias, Presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos
Há gente muito qualificada a entrar [no país], mas em nichos. Não estamos a falar de grandes números. Há muitas pessoas a entrar, com altas qualificações que não estão em idade ativa, têm mais de 65 anos. São reformados dos países europeus.
Não temos dados exatos da imigração, mas se pensarmos que 30% do stock de imigração é brasileira, 10% vêm do Indostão, e os setores preferenciais são agricultura e turismo, percebemos os perfis de que estamos a falar. Se olharmos para o tipo de imigração que estamos a receber e o tipo de saídas que estamos a ter, há um défice de qualificação. A emigração é altamente qualificada. Há cerca de 50 mil pessoas a sair por ano, a esmagadora maioria entre 18 e 35 anos, mais de metade com ensino superior. Temos de perceber quais são as qualificações que estão a sair, as que estão a entrar, em idade ativa ou não ativa. Não acredito que o trabalho esteja feito em Portugal em termos de finura destes dados. A Fundação Francisco Manuel dos Santos está disponível para fazer este trabalho.
- Ricardo Rio, Presidente da Câmara Municipal de Braga
Portugal está na moda, as cidades portuguesas estão na moda em termos internacionais.
Nunca vamos conseguir competir pelos níveis salariais. Portugal, infelizmente, não está nesse campeonato, não tem bons níveis salariais. Temos de oferecer outros atributos, como qualidade de vida, boa habitação. Há questões intangíveis, que nos levaram a atrair muita gente, e que desvalorizamos no dia-a-dia. Por que é que muita da comunidade brasileira, grande parte pessoas mais qualificadas, com mais recursos económico, optaram por vir para Portugal? Por uma palavra: segurança.
Olho para a realidade de um concelho como Braga e vejo que aquilo que nos pode levar a atrair pessoas é posicionar-nos na escala inovadora com bons indicadores de atributos. Temos de tentar dar visibilidade à dinâmica da cidade, à qualidade de vida que a cidade proporciona.
- Frederico Rosa, Presidente da Câmara Municipal do Barreiro
No Barreiro, gostamos muito de incrementar a ideia de bairro, É para nós importante o conceito base de que cidade queremos. Queremos uma cidade onde as pessoas se encontrem. O Barreiro tem uma experiência na luta antifascista, e era muito importante esses locais de convívio.
No que diz respeito aos bairros comerciais digitais, estamos com um investimento na ordem de 1,5 milhões de euros, sendo que 1,1 milhões é fruto do PRR. Mais que dinheiro ou tecnologia, queremos focar-nos muito no last mile.
- Jean Barroca, Partner da Deloitte
Em Portugal, nunca houve dinheiro, agora há dinheiro e tem de ser já. A falta de preparação para se saber onde vai investir e a urgência de o aplicar é um problema. Mais vale fazer bem e pouco e depois voltar a fazer novamente, do que estar a fazer à pressa e mal
- Cláudia Carocha, Head of Projects and Innovation da BCSD Portugal – Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável
É preciso trabalhar tudo como um todo. As empresas têm trabalhado cada vez mais com o setor público, também devido aos novos mecanismos de financiamento, que permitem experimentar novas tecnologias. Há uma maior abertura nos privados, mas também nas autarquias. Temos visto uma grande tendência desta colaboração, de fazer estas pontes, de partilha de dados.
- Carlos Coelho, Especialista em marcas
A marca territorial tem de ser capaz de se afirmar tendo em consideração as sensibilidades e os públicos, mas cada vez mais numa perspetiva concorrencial.
- Hugo Luís, Presidente da Câmara Municipal de Mafra
Temos de apostar menos em cimento e mais em conhecimento. Através da marca e do marketing temos de apostar no que faz perdurar as nossas políticas. o marketing não pode ser visto numa logica de curto prazo.
- João Leite, Presidente da Câmara Municipal de Santarém
Todos os orçamentos em marketing e comunicação [nas autarquias] são sempre residuais. A boa gastronomia, o cavalo e o touro são a marca de Santarém. Tudo isso faz parte do nosso marketing territorial.
- Paula Franco, Bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados
Cada vez mais, o poder local e central tem de reter talentos. Isto é o grande desafio que se põe. O investimento, por via do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], que trouxe novas escolas através da descentralização, faz com que ter mais pessoal e com salários melhores seja uma necessidade.
Neste momento, as autarquias não são um problema nas contas nacionais. As contas das autarquias estão mais sustentáveis. Os municípios estão melhor do que a restante Administração Pública. Não se pode querer delegar competências, descentralizar e não trazer receitas atrás. Este é um desafio, mas é uma questão de contas. É um equilíbrio entre custos e receitas.
- Mário Passos, Presidente da Câmara Municipal de Famalicão
Existe naquele território um ADN empreendedor nato. Há vários anos, olhámos para estas potencialidades, por forma a aproveitar o que fazem as pessoas, empresários e colaboradores das empresas. As empresas eram muito individualizadas, muito fechadas, cada uma funcionava para si. Praticamente não se conheciam umas às outras. O que fizemos foi abrir portas nas empresas, criando redes. Se tivermos mais liberdade para decidir, estaremos a dar maior contributo para o país.
- Francisco Rocha Gonçalves, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Oeiras
Vivemos num país que não faz o suficiente para crescer. Quem governa tem medo de decidir. Se todas as instituições do Estado se movessem com a celeridade que as câmaras municipais se movem, seria diferente. Não é suposto que o político seja um cão de loiça para decorar gabinete. Ou pomos a mão na massa, ou o investimento não acontece.
- Pedro Ginjeira do Nascimento, Secretário-Geral da Associação Business Roundtable Portugal
A criação de riqueza é um bem público. Só há crescimento de receitas se houver crescimento de riqueza. Isto tem de estar na cabeça de todos os funcionários públicos. Os funcionários públicos estão cá para servir, e não apenas à democracia.
- Rogério Carlos, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Aveiro
É importante a participação dos políticos da câmara para desbloquear, designadamente ao nível do licenciamento. Há 11 anos, Aveiro não era credível, ninguém confiava em nós. Nem para vender um prego fiado, quanto mais empresários e investidores. Eu não tenho medo de usar as palavras, as câmaras têm que cooperar com os empresários. Só assim se consegue ultrapassar os problemas. Qualquer investidor, quando vê um município arrojado, quer lá instalar o seu negócio.
- André Gomes, Presidente da Região de Turismo do Algarve
No nosso trabalho, entidades regionais de turismo, os municípios têm um papel fulcral. Connosco e em articulação, para fazerem reestruturação de produto que dê resposta aos anseios e procura de tantos mercados diferentes que nos procuram.
No que diz respeito ao Algarve, há uma vantagem perante outros competidores, nomeadamente a nível internacional. Mais do que uma obrigação por duas resoluções de Conselho de Ministros, também podemos encontrar uma oportunidade [na redução do consumo de água] para tornar a nossa economia e atividade mais resilientes. Entre campanhas dirigidas aos dirigentes e turistas, encontrámos uma resposta ao desafio de gestão da água. Isto é um trabalho que tem de ficar para a frente. Vamos continuar a implementar estas medidas no setor de turismo para fazer face a este desafio.
- Bernardo Trindade, Presidente da Associação Hoteleira de Portugal
Não é por acaso que, hoje, mercados como os EUA, que lideram o crescimento em Lisboa e Porto, têm particular significado, com poder aquisitivo e disponibilidade imensa para visitar o país. O que é importante é ter noção de que um visitante de outro país, quando vem a Portugal, vem para fruir um conjunto vasto de realidades, e pode de facto ser um instrumento essencial para a coesão nacional.
- Francisco Oliveira, Presidente da Câmara Municipal de Coruche
Para nós, território, é muito importante, que consigamos dar respostas na dimensão da sustentabilidade. Estamos a falar de uma região que não está massificada. É importante percebermos que os municípios e os seus presidentes mandam muito pouco, porque são tutelados por entidades que condicionam a atividade como as direções regionais ou as APA desta vida – que são tecnocratas.
Não é só a sustentabilidade ambiental que é importante, mas também a económica e social. Um território tem que ter paisagem e estas componentes de atratividade, com muito procura, em termos turísticos, mas tem que ter pessoas. A nossa grande luta é trazer pessoas para estes territórios que estão em perda de população. É preciso gente, para trabalhar e para se fixar neste território.
- Gonçalo Rebelo de Almeida, administrador do Grupo Vila Galé
O futuro é desafiante, vão sempre surgindo novos destinos noutros pontos do globo, e às vezes estamos tão contentes com o que temos que achamos que somos os melhores em tudo. Nós concorremos com diferentes destinos, disputamos um público global que viaja. As tendências mundiais apontam para o crescimento do turismo, e cada vez haverá mais gente a viajar. O interesse por viajar e conhecer novas culturas e novos destinos não abrandou. As camadas mais jovens continuam a ter o desejo de viajar e conhecer novas culturas e, por outro lado, as gerações nas quais estou a entrar, vão viajar até mais tarde. Isto alargou muito o número de pessoas a viajar. Quando se utiliza o conceito de massificação, eu vejo pela positiva. Não só economicamente, há mais gente no mundo com capacidade financeira para viajar, o que significa que está a viver melhor. Não é só um conjunto de privilegiados, como no passado, que pode viajar.
- Marta Cabral, CEO da Rota Vicentina
É importante discutir onde estão os turistas, o que vão consumir, como se comportam. Os problemas [ao nível do turismo] não estão a ser resolvidos pelo poder Central. A nossa aflição não é colocar o produto no mercado. A nossa grande preocupação é até que ponto liberalizamos as camas do alojamento local, o turismo está a comer camas para outras atividades.
- Carlos Condesso, Presidente da Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo
Falta investimento público por parte da administração central. Tem de haver essa coragem política, com um choque fiscal para o interior. Queria deixar aqui um grito de alerta para que se promova a coesão territorial, económica e social. Todos os governos falharam, da direita à esquerda, mas todos falam de boca cheia sobre o despovoamento. O interior não é sinónimo de ser inferior, temos é de travar esta luta e combate pelo interior, porque infelizmente há um país a duas velocidades.
Há muitos desafios que o interior tem e um deles é que se cumpra aquilo que a Constituição diz: todo o cidadão tem direito a cuidados de saúde. Damos todos os apoios possíveis [às empresas], mas se não tivermos médicos, acreditem que não vai haver investimentos. Como é que posso fixar população e empresas se sabem à partida que apenas há um médico de família para 5.000 utentes?
- João Grilo, Presidente da Câmara Municipal de Alandroal
Num país pequeno como Portugal não se devia falar em interior. Num país onde houvesse um pensamento mais sério sobre as assimetrias, nem haveria esta discussão. Ou por limitações de acessibilidades ou de autonomia [governativa e de gestão], acabamos por sentir que estamos demasiado longe do centro de decisão.
A atratividade tem vindo a aumentar. Muitas pessoas descobriram o interior através da pandemia. Tem havido mais procura, investimento, temos recursos do Orçamento do Estado. Além dos residentes, temos segundos residentes, visitantes e um conjunto de pessoas que colocam pressão no território, mas que depois não são contabilizados para devolver retorno em termos de capacidade de atuação.
- Luís Leite Ramos, Vice-Reitor da UTAD
Um país sem reformas no ensino superior vai ter problemas gravíssimos, porque existe um grande risco de perder uma grande franja de empregos e de conhecimento científico.
A nossa parte passa por diversificar e inovar, ir à procura dos alunos, mas esperamos que os governos tomem as decisões necessárias para reformular este modelo que está em fim de ciclo e sem condições para enfrentar o que aí vem.